Atividades antinucleares em São Paulo alertam sobre o perigo de uma questão invisibilizada
Entre os dias 10 e 12 desse mês São Paulo foi palco de importantes reflexões antinucleares promovidas pela Articulação Antinuclear Brasileira, Sociedade Angrense de Proteção Ecológica (Sapê) e parceiros. Seja através da linguagem fotográfica na exposição Hiroshima Nunca Mais, ou no seminário em que comunidades atingidas e especialistas compartilharam experiências e estudos, ficou claro o horror trazido pelo nuclear e a dificuldade em comunicar a questão mais amplamente.
A maratona antinuclear começou dia 10 com a abertura exposição fotográfica Hiroshima Nunca Mais, na Matilha Cultural. Lá estão reunidas obras de fotógrafos do mundo todo contando a história da fissão de núcleo, desde a primeira bomba atômica lançada em Hiroshima, em 1945, até a produção de energia elétrica e os consequentes acidentes nucleares. Apesar das imagens fortes de destruição, o tom da noite foi de celebração aos movimentos de resistência ao nuclear no Brasil e no mundo que também estão presentes em belas fotos. A exposição está em cartaz na Rua Rego Freitas, 542, até o dia 18 de dezembro, com entrada gratuita e possibilidade de agendamento de visita guiada para escolas através do email Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..
A curadora da exposição, Inês Chada, e a banda Forrobodó do Zé, que animou a noite
Seminário Nuclear: Por que resistimos?
Quem tomou contato com os desdobramentos da tecnologia nuclear na exposição teve a oportunidade de saber mais através do seminário Nuclear: Por que resistimos?, que abordou diversos aspectos e impactos da questão e foi realizada na Fapcom.
A mesa de abertura teve a ilustre presença de Chico Whitaker contando como o desastre de Fukushima o fez entrar na militância antinuclear e enxergar os perigos a que estamos expostos: “Não podemos tratar o nuclear somente como uma questão energética, econômica ou política. E, sim, como uma questão ética, porque governo nenhum tem o direito de expor a população a tanto perigo”. Chico tem viajado pelo mundo em sua militância e da França trouxe a desanimadora notícia de que foram detectados defeitos de fabricação em cubas usadas nos reatores produzidos pela Areva, sendo que uma dessas cubas pode estar no Brasil para ser usada em Angra 3.
Além de Chico Whitaker e Celio Bermann, a mesa de abertura trouxe Thiago Almeida, do Greenpeace e a mediação de Adelino Ozores
Célio Bermann, professor especialista em energia da USP, também não trouxe boas novas, segundo ele a participação da sociedade civil na definição da política energética vem sofrendo abalos desde o governo Lula e sem perspectivas de melhora frente a tantos retrocessos trazidos desde o golpe. Para ele, a política energética precisa ser totalmente repensada: “Precisamos mesmo dessa segurança energética que é tão preconizada? Produzimos eletricidade para quê? O problema é que do ponto de vista ambiental, produzir mais tem levado à catástrofe ambiental a que estamos já submetidos. Então é necessário pensar a produção de energia de forma racional, pensando não no aumento da oferta, mas da redução da demanda”, defende Bermann.
A segunda mesa trouxe experiências concretas dos impactos locais do Programa Nuclear Brasileiro, desde a mineração de urânio em Caetité, na Bahia, até as usinas nucleares de Angra dos Reis e ameaça de instalação de novas usinas em Itacuruba, Pernambuco. Chamou a atenção o drama vivido pelos trabalhadores da indústria química estatal Nuclemon, contaminados por urânio e tório e submetidos a condições desumanas de trabalho por quase 5 décadas até o fechamento da empresa em 1993. Os trabalhadores, organizados através da Antpen, reivindicam reparação e tratamento médico em uma luta que já dura quase 30 anos e é totalmente invisibilizada. José Venâncio Alves, diretor da Antpen, reclama que nem todos os funcionários conseguiram o convênio médico e o pedido de indenização se arrasta na justiça há 10 anos. A Articulação Antinuclear Brasileira esteve presente na reunião mensal da Antpen em um rico momento de troca de experiências e conheceu o depósito em que estão armazenadas mais de 1000 toneladas de lixo tóxico e radioativo da Nuclemon. O terreno que abriga tamanho risco de contaminação, em Interlagos, está preocupantemente mal sinalizado em local com alta densidade demográfica, ao lado da igreja do Padre Marcelo Rossi. A responsabilidade atualmente é da INB (Indústrias Nucleares do Brasil), que adquiriu o passivo da Nuclemon e da CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear), que deveria fiscalizar o material radioativo no Brasil.
O efeito da radiação na saúde humana foi o foco da terceira mesa, que trouxe Maria Vera de Oliveira - médica pneumologista que esteve recentemente em treinamento sobre radiação ionizante em Hiroshima - e Júlio Nascimento, psicólogo que convive de perto com o drama das vítimas do Césio 137, em Goiânia. Segundo Maria Vera, os efeitos da radiação não são sempre imediatos, já que ocorre modificação no genoma, o que pode ocasionar maior chance de câncer e outras doenças. Por isso, os efeitos da radiação costumam ser subestimados, mas estudos comprovam que a letalidade por câncer é muito maior em populações expostas à radiação, como no caso da Nuclemon, onde há um percentual expressivamente maior de câncer de próstata do que a média brasileira.
Em Goiânia, com o desastre do Césio 137, foram contabilizadas como vítimas fatais somente as 4 pessoas que faleceram imediatamente, sendo que o índice de câncer aumentou sensivelmente entre o grupo de contaminados. Além do adoecimento físico, Júlio Nascimento aponta um processo significativo de fragilidade psíquica entre as vítimas. O preconceito que sofreram enquanto sujeitos contaminados e que perdura até hoje, as mazelas físicas, o duro processo de remoção de suas casas ou até mesmo a culpa contribuíram para o adoecimento mental dessas vítimas que até hoje não sofreram reparação completa. Júlio afirma que daqui até 2017, quando serão completados 30 anos da tragédia, a intenção é pressionar o governo para que haja um reconhecimento mais amplo abarcando pessoas contaminadas que não são contabilizadas hoje, que as vítimas tenham atendimento médico adequado – elas estão sem receber medicamentos atualmente – e sejam indenizadas.
Comunicando a questão nuclear
Uma discussão importante encerrou o seminário: como comunicar a questão nuclear, que passa tão ao largo das preocupações do cidadão brasileiro? A falta de cobertura da mídia para os impactos do Programa Nuclear Brasileiro foi uma reclamação constante e a grande disponibilidade de informações a respeito da questão nuclear não tem garantido que ela seja atraente ao público. Os jornalistas Ubiratan Leal e Joelma do Couto apostam em personagens humanos e na conexão emocional para tornar o tema mais palatável ao público. Inês Chada, curadora da exposição Hiroshima Nunca Mais, trouxe experiência da Sapê em Angra dos Reis e defende o uso de inovações na linguagem e recursos artísticos para atrair olhares para a questão. O cineasta Roberto Fernández, que tem produzido obras sobre os sobreviventes das bombas de Hiroshima e Nagasaki, também acrescenta que uma dose de perseverança e ousadia são necessárias para furar o bloqueio da mídia tradicional e do desconhecimento do público. A esperança é que o contato com essa questão fundamental aja como uma radiação benéfica, contaminando mais pessoas com conhecimento e gerando ação em busca de um mundo livre do nuclear.