Informações sobre a empresa Nuclemon/INB e os riscos à saúde
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A USAM, posteriormente chamada de Nuclemon, iniciou suas atividades em 1949, processando as chamadas areias minerais pesadas, associação de monazita, zirconita, ilmenita e rutilo, minerais encontrados nas areias monazíticas, que ocorrem no litoral do sul da Bahia, Espírito Santo e Rio de Janeiro. O processamento da monazita era realizado através da separação eletromagnética, seguida de moagem e ataque alcalino com soda caustica, com posterior dissolução clorídrica. Os produtos gerados eram embalados e comercializados (cloreto de terras raras) ou estocados para futuro uso (urânio e tório sob a forma de Torta II). Os produtos finais eram: 1. Compostos radioativos (Urânio e Torio); 2. Fosfato trissódico (detergentes e desengraxantes); 3. Cloreto de terras raras (vidros ópticos); 4. Zirconita (Indústria cerâmica); 5. Rutilo (solda elétrica); 6. Sílica livre(Industria cerâmica).
Em julho de 1992 a Nuclemon / INB paralisou suas atividades e entrou no processo de descomissionamento (desativação de uma instalação que processa material nuclear), tendo sido o mesmo concluído em julho de 1998. A paralisação das atividades da Nuclemon ocorreu por processar material radioativo sem as condições de segurança necessárias, como na época ficou provado por vistorias realizadas pela DRT/SP, Fundacentro/SP, Sindicato dos Químicos de São Paulo e Ministério Público do Trabalho. Outra razão inquestionável para o fechamento da empresa foi estar localizada em plena área residencial da cidade de São Paulo, representando risco para as famílias que viviam no entorno, fato admitido pelo Dr Alexandre R. Oliveira (CRMRJ 20702) na ocasião Chefe da Assessoria de Segurança, Salvaguardas e Meio Ambiente da INB (Industria Nuclear do Brasil).
A empresa estava instalada num galpão onde os setores não tinham separação física, ou seja, os trabalhadores de todos setores, inclusive administrativo, tinham exposição a ruído, calor e radiações ionizantes.
A empresa tinha os seguintes setores:
1. Tratamento físico de minérios (TFM): zirconita, rutilo e monazita
2. Tratamento químico da monazita (TQM)
3. Tratamento físico da ambligonita
4. Tratamento químico da ambligonita (TQA)
5. Separação de terras raras (STR)
6. Laboratório de controle de qualidade
7. Divisão de manutenção mecânica
8. Administração
Em laudo fornecido pela empresa e datado de 21 de setembro de 1998 e SB40 / PPP fornecido a alguns trabalhadores da Nuclemon, é admitido que em relação às condições de trabalho havia riscos ocupacionais evidentes:
Riscos Químicos:
- Toxicidade química decorrente do tratamento químico de monozita e ambligonita.
- Exposição às poeiras minerais cuja granulometria encontrava-se na faixa média de diâmetro da ordem de 0,25 mm, portanto menores que 1,0 mm e potencialmente causadoras de pneumoconiose (fibrose intersticial pulmonar).
Riscos Físicos:
-Ruído presente nas áreas de moagem da zirconita e da monazita, variando de 92 e 101 dB(A). Sendo mais acentuado na TFM. A NR15 (Atividades e operações insalubres / de 8 de junho de 1978) define como níveis de ruído toleráveis para ruído contínuo ou intermitente – 85dB(A) / 8hs, e progressivamente 92dB(A) /3hs e 100dB(A) / 1hora.
-Calor, variando de 22,90 (IBUTG) a 27,60 (IBUTG) – Utilidades/Caldeiras, 28,80 (IBUTG) – mais acentuado na TFM (junto ao forno de calcinação).
-Radiações ionizantes
O risco radiológico, referente às radiações ionizantes, aos quais os trabalhadores estavam expostos decorria da presença residual de materiais radioativos (Torta II e mesotório), representados pelo urânio, tório, radio e seus produtos de decaimento. Os riscos decorrentes da presença destes elementos pressupõem a irradiação externa, devido à emissão beta e gama de alguns produtos de decaimento do urânio e do tório, bem como de eventual contaminação interna, via inalação, visto que boa parte dos materiais radioativos estava aderida às poeiras. É referida a existência de um programa de proteção radiológica ocupacional que visava não só o controle individual (filmes dosimétricos) como o monitoramento de áreas.
Em vários PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário ) é citado o fator de risco: radiações ionizantes com o comentário “Nas atividades descritas o empregado esteve exposto ao agente nocivo radiação ionizante de modo habitual permanente, não ocasional nem intermitente. Para o agente físico radiação ionizante o presente estado de tecnologia, seja coletiva (EPC) ou individual (EPI), não confere ao trabalhador uma proteção eficaz em relação à nocividade deste agente”.
No “Plano de Radioproteção da Usina Santo Amaro” é citado que os trabalhadores podiam estar expostos aos campos de radiação beta e gama, sendo que o nível desses campos de radiação dependia do tipo, idade, concentração e quantidade de material radioativo. Os riscos de exposição externa assumem significância principalmente nos estágios finais da precipitação, filtração, embalagem e armazenamento do concentrado. O urânio e o tório recentemente purificados são essencialmente emissores alfa, porém com o passar do tempo, a quantidade dos produtos filhos aumenta, e em conseqüência aumentam os níveis dos campos de radiação beta e gama. Os riscos de contaminação interna ocorrem em locais onde os materiais radioativos são processados sem o confinamento total e, em conseqüência, os materiais radioativos processados podem dar origem a contaminação do ar e das superfícies dos locais de trabalho, e podem ser inalados ou ingeridos pelos trabalhadores. Essa situação ocorria, segundo informações dos trabalhadores, nas áreas de recepção e estocagem do concentrado de monazita para processamento, TFM, TQM, área de estocagem de produtos intermediários e rejeitos.
As radiações ionizantes causam alterações do DNA e efeitos tardios como alterações hematológicas, leucemias, e tumores sólidos de forma geral. A avaliação da exposição à radiação ionizante é feito através da bioanálise “in vivo” e “in vitro”, que são respectivamente a dosimetria interna e a avaliação de compostos radioativos nas excretas (urina e fezes); e da dosimetria externa. Estes exames a que se submeteram alguns trabalhadores não traz referencia às condições de coleta como por exemplo quanto tempo após a última manipulação de material radioativo havia sido feita a avaliação. Em julho/agosto de 1990 foram realizadas pesquisas de tório na urina e nas fezes e de 19 amostras quatro foram anormais na urina e 13 anormais nas fezes. Já em 13 avaliações feitas com contador de corpo inteiro, cinco resultaram anormais. Em outubro/novembro de 1992 foram feitas análises de Urânio 238 (7 amostras), sendo três anormais nas fezes e uma na urina; Urânio 234 (7 amostras), sendo três anormais nas fezes e uma na urina; Thorio 232 (7 amostras), sendo seis anormais nas fezes; e Thorio 228 (7 amostras), sendo seis anormais nas fezes. Avaliamos alguns relatórios de dosimetria externa e os mesmos mostram vários problemas como uso de unidades diferentes (mR e mSv), ausência de data padrão para início e término das medições, falta de anotações sobre férias e outros afastamentos, ausência de anotações sobre limites de tolerância, e várias anotações de dosímetro extraviado, danificado ou não devolvido.
A incidência de neoplasia de próstata na população acima de 45 anos conforme dados da literatura médica brasileira é de 2%, e nesta amostra de trabalhadores da Nuclemon alcança o valor de 9%. Conforme literatura médica específica sobre esse tema, qualquer tipo de neoplasia pode ocorrer secundariamente à exposição às radiações ionizantes. Existe uma relação entre a exposição às radiações ionizantes, ainda que em baixa dose, e a ocorrência de qualquer tipo de neoplasias, inclusive de próstata. (Referências bibliográficas 6 e 9). Em relação à neoplasia de próstata o gen ATM pode ser relacionado à maior prevalência de Câncer de próstata quando ocorrem mutações em BRCA2, BRCA1 e CHEK2, sendo estas alterações mais freqüentes quando há exposição às radiações ionizantes (Referência 5). Sobre o tema radiação ionizante e ocorrência de neoplasias é citada bibliografia anexa, inclusive revisão sobre a relação entre o câncer e várias exposições ocupacionais incluindo metais, solventes, pesticidas, radiações ionizantes e radiações não ionizantes (Referência 8). Em outro estudo o autor afirma que há relação linear dose resposta entre leucemia e a maioria dos tumores sólidos e a exposição às radiações ionizantes (Referência 10).
Em vista das informações acima se conclui que embora a indústria Nuclemon tenha sido desativada e suas instalações desfeitas, há documentação que comprova os riscos a que os trabalhadores estavam expostos.