Exposição às radiações ionizantes, em especial ao Césio 137, e efeitos sobre a saúde humana - Comentário da Dra. Fernanda

Exposição às radiações ionizantes, em especial ao Césio 137.

Iniciei meu trabalho no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Santo Amaro (PMSP) em 1990 como médica do trabalho e pneumologista, e desde então venho acompanhando os trabalhadores da empresa Nuclemon (atual INB), que foram expostos às radiações ionizantes no ambiente de trabalho. Em 2013 fui convidada pelo governo do Japão a fazer um treinamento de um mês em Hiroshima sobre os efeitos das radiações ionizantes sobre a saúde humana no HICARE (Hiroshima International Council for Health Care of the Radiation-Exposed).

Existe na tabela periódica um grupo de elementos químicos designados de radionuclídeos, entre os quais se encontra o Césio 137, que se caracterizam pela emissão de radiações alfa, beta e gama. As radiações gama são ondas menores e com mais energia. Em geral as radiações geram calor e energia, podem atravessar ou ser absorvidos pela matéria, podendo alcançar a velocidade de desintegração e em geral tem meia vida longa.

A meia vida é o tempo necessário para que a metade dos núcleos radioativos se desintegre, ou seja, para que a amostra radioativa se reduza à metade. Exemplos: Rádio 226 (Meia vida 2300 anos), Urânio 238 (Meia vida 4,5 bilhões de ano) e Césio 137 (Meia vida 30 anos).

São usos das radiações ionizantes pelo homem: produção de armas, geração de energia (usinas), uso na agricultura e na indústria, e na medicina (radiologia, radioterapia e medicina nuclear).

Os radionuclídeos, de maneira geral, têm efeitos similares no organismo humano. Tem ação direta alterando o DNA e indireta levando à formação de radicais ativos, que tem ação oxidante no organismo (alteram o metabolismo e causam morte celular).

Outra classificação destes efeitos os divide em: somáticos (os que ocorrem no organismo e dependem da dose de radiação e da região atingida), hereditários (efeitos que são transmitidos para os descendentes) e teratogênicos (efeitos que ocorrem no feto da mãe que está grávida no momento da exposição).

As unidades que medem a radiação ionizante são Sv (Silvert), mSv (milisilvert) e Gy (Gray). As equivalências são: 1Sv = 1000mSv = 1Gy. Os efeitos das radiações em relação às doses são:

>100 Grays – morte

≤100 Grays – Falência do SNC (desorientação, perda de coordenação, distúrbios respiratórios, convulsões e coma)/até 2 dias após exposição

±10 Grays – Síndrome gastrointestinal (naúseas, vômitos, diarréia)

<10 Grays – Síndrome hematopoiética

A síndrome aguda se caracteriza por vômitos, diarréia e desidratação. Após uma semana ocorre a fase tóxica com febre, sintomas intestinais, ulcerações de mucosas, síndrome hematopoiética (leucopenia, anemia, trombocitopenia) e obstrução e fragilidade capilar. Os efeitos tardios podem ocorrer após anos ou décadas e são: alterações hematológicas, leucemias e tumores. Também podemos classificar os efeitos como determinísticos ( queimaduras, cataratas), estocásticos (Câncer, que pode ocorrer após anos e independe da dose absorvida), somáticos imediatos (queda do cabelo) ou somáticos tardios (Câncer) e genéticos (lesão do DNA das células reprodutivas). São mais radiosensíveis: Tireóide, medula óssea e sistema linfóide. Em relação aos fetos se expostos até 20 semanas pode ocorrer retardo do crescimento, microcefalia e retardo mental.

Os efeitos tardios foram descritos detalhadamente por autores japoneses que analisam coortes de sobreviventes das bombas atômicas lançadas em Hiroshima (6/8 – Urânio) e Nagasaki (9/8 – Plutônio). Foi demonstrada uma correlação do aumento da prevalência dos tumores em relação ao intervalo da exposição à bomba atômica: 1950 (leucemia), 1955 (Câncer de tireóide), 1965 (Câncer de mama), 1975 (Câncer de estomago e intestino) e 1980 (Pele e meningioma).

Fato semelhante foi descrito após o acidente de Chernobyl: o número de casos de câncer de tireóide em crianças atá 14 anos aumentou de 59 para 681 entre 1986 (ano no qual aconteceu o acidente) e 2003 na Belarus, e de 30 para 442 entre 1986 e 2000 na Ucrânia.

No Brasil existem usinas nucleares, ocorre extração de minérios radioativos e em conseqüência é produzido lixo radioativo. Em todas as três há elevadas emissões radioativas. Caetité na Bahia é uma área de extração de urânio e em relatório preliminar da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) / Ministério da Saúde foi apontado que existe radiação gama em vários locais nas proximidades dos furos de mineração, bem como atividade média elevada de urânio no ar. Em pesquisa realizada pelo Instituto de Saúde Coletiva da UFRJ foram relatados 21 caos de câncer (4 em tratamento e 17 óbitos), sendo 8 leucemias, 3 do aparelho digestivo e 113 suspeitos (61 em Lagoa Santa e 52 em Caetité).

Em 2006 foi publicado o “Relatório do grupo de trabalho, fiscalização e segurança nuclear” realizado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados. Neste documento são relatados 16 acidentes nucleares e radiológicos no Brasil até 2006. Tiveram destaque neste documento o acidente de Goiânia e os expostos da Nuclemon – que foram ouvidos em Audiência Pública.
A Nuclemon que anteriormente foi chamada de Orquima (1949), Companhia Brasileira de Tecnologia Nuclear (1970) e Nuclebrás (1975), realizava o processamento da areia monazítica e extraia Thorio e Uranio. Em 1992 a Nuclemon, que estava localizada num bairro residencial, após extensa fiscalização realizada pela DRT, Sindicato dos Químicos, Ministério Público do Trabalho e Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Santo Amaro (PMSP) foi fechada em junho de 1992 e após a demolição de suas instalações passou por um processo de descomissionamento entre 1994 e 1998. Os trabalhadores da Nuclemon apresentavam dosagens de Th232, Th228, U238 e U234 elevadas na urina e nas fezes. A prevalência das neoplasias é elevada neste grupo que é acompanhado sistematicamente até hoje, pricipalmente o câncer de próstata. Estes trabalhadores reivindicam na Justiça indenizações devido aos problemas de saúde que adquiriram devido à exposição às radiações, assistência médica adequada e a regulamentação da Convenção 115 da OIT de 1º/6/1960, sobre os direitos que os trabalhadores da energia nuclear possuem.

No “Relatório do grupo de trabalho, fiscalização e segurança nuclear” o acidente de Goiânia é descrito. O mesmo ocorreu em 1987 quando dois catadores de lixo removeram uma cápsula de chumbo de um aparelho de radioterapia abandonado que pertencia ao Instituto Goiano de Radioterapia, extraindo em torno de 20 grs de Césio 137. Este material foi manipulado por várias pessoas e transportado por vários locais da cidade, causando contaminação de diversas pessoas e do solo. Na ocasião 112.800 pessoas foram monitoradas pela CNEN, 1400 foram consideradas contaminadas na ocasião e destas 297 apresentaram radiação acima do normal, 49 foram internados e 33 receberam Azul da Prússia (resina de troca iônica que acelera a eliminação do Césio, que passa a ser eliminado do organismo não só pela urina, mas pelas fezes também) e GM-CSF (no caso de haver lesão medular). Quatro pessoas faleceram nos dois meses após o acidente. Não existe certeza sobre o real número de indivíduos que tiveram exposição à radiação ionizante naquela ocasião, incluindo bombeiros, policiais e funcionários da companhia de obras públicas (CRISA). A dose estimada é inferida pela história de exposição, manifestações prodrômicas, curso clínico, evolução hematológica, análise cromossômica (dose estimada), análise de fezes e urina e contagem de corpo inteiro.

Atualmente os considerados expostos são acompanhados no CARA (Centro Estadual de Apoio aos Radioacidentados). Os expostos estão divididos nos grupos 1 (94 / 46 filhos e 3 netos) e 2 (88 / 42 filhos e 3 netos) (contaminados direta e indiretamente pelo césio – benefícios alcançam filhos e netos) e 3 (417) (funcionários que participaram do processo de limpeza, descontaminação, segurança e isolamento do local).

Existem inúmeros artigos científicos sobre as conseqüências da exposição às radiações ionizantes, mesmo em baixas doses, alguns inclusive concluindo que não há dose segura para exposição às radiações ionizantes. E no acidente de Goiânia há informação de que a dose de radiação chegou a 4 Grays/h (na distância de 1m da fonte).

No Brasil não existem cadastros para acompanhamento longitudinal dos expostos e programas de emergência em acidentes nucleares. A ausência de cadastros prejudica a conclusão de nexo causal entre as eventuais doenças que venham a ocorrer e a exposição às radiações. Em particular sobre o acidente de Goiânia foram publicados artigos sobre as conseqüências celulares, genéticas, oncológicas e psicológicas.

Em 2010 foi publicada uma análise na Health Physics na qual as vítimas do acidente de Goiânia são divididos em dois grupos: I (Doses ≥ 0,2 Gy > 56 indivíduos e 8 mortes) e II (Doses ≤ 0,2 Gy > 44 indivíduos e 2 mortes). São apontados casos de câncer de esôfago, próstata, bexiga, síndrome mielodisplásica, amputação de braço, três casos com recorrência de lesões locais por radiação. Entre os 297 com contaminação documentada 14 apresentaram depressão da medula óssea, 8 síndrome aguda radioativa e 28 lesões locais.

A International Atomic Energy Agency (IAEA) publicou em 1988 o volume “The radiological accident in Goiania”, na qual avalia o acidente sob todos os aspectos.

O professor Wiley AL da Univ. of Wisconsin-Madison (USA) no Symposium Radiation Disaster, ocorrido em 10 e 11 de fevereiro de 2013 em Hiroshima Japão, descreveu a resposta ao tratamento com Azul da Prússia em 33 contaminados pelo Césio 137, mostrando como a meia vida deste aumentou após o término do tratamento em relação ao período de tratamento.
Em 2008 foi publicado artigo científico que analisa 3312 casos de câncer de mama ocorridos entre 1988 e 2003 em Goiânia, apontando um aumento de mais de 100% na faixa etária de 30-49 anos, mais de 200% na faixa 50-59 anos e >80 anos e 50% na faixa 60-79 anos.

Os artigos e publicações seguem anexos.

Dra Maria Vera Cruz de Oliveira Castellano

 

 

 

Clique aqui para AMPLIAR

Ler 3098 vezes

Imagens ANTPEN

Para Site da Antpen

WhatsApp Image 2017 11 07 at 15.33.21

Memorial das vítimas

vitimas fatais novo 01

side bar tania

Especial Energia Nuclear

Reportagem produzida em 24/04/2006

Conecte-se conosco

WhatsApp Image 2017 11 07 at 15.33.07 1

WhatsApp Image 2017 11 07 at 15.33.06

WhatsApp Image 2017 11 07 at 15.33.11

 

Veja todos os nosso vídeos

veja os videos

 

antpen logo 2

A Associação Nacional dos Trabalhadores da Produção de Energia Nuclear (ANTPEN) é uma associação formada por trabalhadores, ex-funcionários e parentes afetados pela contaminação por radiação. Com o objetivo de propor ações judiciais em favor de seus associados, pela ratificação da convenção 115 juntamente com artigo 12 e conscientizar à população em geral, trabalhadores e a opinião pública sobre os riscos da radiação e seus efeitos nocivos.

ANTPEN - Associação Nacional dos Trabalhadores da Produção de Energia Nuclear
Rua Ada Negri, 127 - Santo Amaro - SP
CEP: 04755-000
Telefone: (11) 5831-4162

Novidades

logo sindicatobla branco logo novo logo diesat rodapeblababla branco logo abrea1 branco zeropoint logo 1 branco mpt logo novo