Como a morte de uma baleia trouxe à tona a discussão sobre resíduos industriais perigosos Destaque
A morte de uma baleia orca encontrada presa em uma rede de pesca no mar da Escócia chamou a atenção de cientistas pelo alto nível de contaminação do animal por PCBs, também conhecida como bifenilos policlorados. A substância é formada por misturas de até 209 compostos clorados – amplamente utilizadas como agente sanitizante na higienização e desinfecção. Na indústria pesada, ela foi empregada durante muito tempo por ser resistente à altas temperaturas e possuir propriedades isolantes. No entanto, a partir da década de 70, os riscos para a saúde e o meio ambiente fizeram com fossem proibidas no mundo todo.
De acordo com uma reportagem da BBC, publicada no dia 03 de maio e que aborda o caso da baleia encontrada morta, especialistas destacaram as dificuldade de eliminar totalmente os PCBs, pois demoram muitos anos para desaparecerem completamente do ambiente – o que explica a alta contaminação do animal, mesmo tempos após a proibição. Devido ao descarte indevido em aterros sanitários, até hoje a substância pode ser facilmente encontrada nesses ambientes, representando uma ameaça para o solo e para a água, já que se infiltra na terra e atinge os lençóis freáticos. A notícia da rede britânica também atenta outro problema: cerca de um milhão de toneladas de materiais contaminados por PCBs ainda não tiveram uma destinação correta na Europa. O processo é considerado custoso, porque demanda uma incineração a mais de 1.000ºC. Enquanto a questão não é resolvida, o material fica acumulado, expondo animais e pessoas a riscos.
O caso traz novamente à tona a discussão sobre a gestão dos descartes de resíduos perigosos e consequências disso para as pessoas e o meio ambiente. Ao longo dos anos, diversos acidentes ganharam os noticiários por negligência no momento de descarte de materiais contaminantes.
No Brasil, um caso emblemático foi o da cápsula de Césio-137 encontrada por dois catadores em 1987. O componente estavam dentro de um aparelho de tratamento de radioterapia em uma clínica abandonada na capital de Goiás e foi levado e desmontado em um ferro velho da cidade. Durante esse processo os homens acharam o elemento radioativo. O pó do Césio intrigou porque durante à noite emitia um brilho de coloração azulada.
O dono do ferro velho julgou o material como valiosos e distribuiu entre os seus familiares. Dessa forma, diversas pessoas foram expostas e contaminadas . Poucos dias após o contato, todos adoeceram. Uma menina de 6 anos, Leide das Neves Ferreira, ingeriu partículas do pó acidentalmente e foi registrada como a primeira vítima fatal do Césio-137. O acidente foi considerado como o maior desastre radioativo da história. Centenas de pessoas foram contaminadas, sendo que 4 morreram. O lixo radioativo foi isolado e, até hoje, grupos de risco são monitorados.
Segundo o relatório de pesquisa do IPEA sobre Resíduos Sólidos Industriais, realizado em 2012, cerca de 40% dos rejeitos industriais são considerados materiais perigosos. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), sancionada em 2010, estabelece diretrizes para o descarte dessas substâncias. A legislação obriga as empresas e indústrias a elaborar planos para o tratamento e destinação correta. Embora a lei seja um instrumento importante, a iniciativa privada ainda encontra dificuldades nesse sentido.
Esse mesmo documento identifica que “os dados relativos à geração, ao tratamento e à destinação são escassos (…) e em vários estados brasileiros os inventários não são recentes ou são até mesmo inexistentes”. A afirmação é reiterada pelo presidente da Associação Brasileira de Empresas Tratamento de Resíduos (Abetre), Carlos Fernandes. “Hoje as informações não existem. É a nossa realidade. A informação é fundamental. Podemos ter fuga de resíduos para locais não autorizados ou não licenciados. Os lixões acabam recebendo rejeitos perigosos também. Então, é uma situação que está longe de ser a desejável”, comenta o especialista.
Para além dessas questões, há ainda a dificuldade na logística relacionada a gestão de resíduos em pequenas e médias empresas. Como as grandes multinacionais tem mais recursos, sofrem uma cobrança maior em sustentabilidade por conta de sua visibilidade. Além disso, como geram um volume muito grande de rejeitos, a operação de logística do descarte é mais simples e atrai as empresas responsáveis pela destinação. Flávio Bragante, diretor da Faex Soluções Ambientais, percebeu essa situação. “O pequeno gerador se via órfão no mercado. Ninguém queria pegar e trabalhar com esses geradores, porque tem que ter um trabalho de logística forte. Essas empresas não têm conhecimento da legislação, então tem que ensinar esses empresários a fazer documentação de transporte, como emitir nota fiscal, explicar o porquê isso tem que ser feito, e fazer um trabalho de conscientização”, explica.
Poucos resíduos, grandes impactos
Mesmo que, individualmente, cada pequena indústria gere uma quantidade pequena de resíduo perigoso – 200 kg por ano, em uma estimativa conservadora feita por Bragante -, o resultado ambiental pode ser desastroso. Segundo dados do Sebrae de 2014, são cerca de 193 mil micro e pequenas empresas no setor industrial apenas no Estado de São Paulo. Ou seja, 38 mil toneladas de rejeitos perigosos por ano que, se descartados de forma irresponsável, podem provocar danos na natureza e na saúde das pessoas.
A Faex atua justamente no mercado de gestão desses resíduos com o foco em pequenos geradores. Um caminhão menor passa por diversos clientes para pegar os resíduos, que são separados por categoria, estocados e armazenados no galpão da empresa. Quando a carga acumula em um volume grande, o montante é levado para a destinação. Bragante conta que a organização trabalha com uma política de aterro zero: “Todo o nosso material é reaproveitado. Quando possível, trabalhamos com reciclagem, mas a maioria do que recebemos já não tem como reciclar. Então mandamos esse material para ser tratado e co-processado em forno de cimento, transformando o resíduo em combustível”. Essa tecnologia, até então, era acessada apenas por grandes geradores. Alguns tipos de materiais não tem como ser reciclados ou reaproveitados – é o caso de resíduos laboratoriais ou químicos. Nesse cenário, é necessário a destruição térmica, um processo caro. A organização concorreu ao Prêmio Eco de sustentabilidade em 2016.
Para Carlos Fernandes, o país tem tecnologia e aterros industriais de boa qualidade, mas hoje estão ociosos. Ele atribui a situação à recessão econômica que atingiu fortemente o setor industrial. “Se hoje o empresário estiver jogando o resíduo em um lixão, provavelmente ele estará gastando bem menos do que se estivesse levando para um lugar adequado. Se você perguntar, ele dirá que é muito caro destinar o rejeito para o espaço certo. Ele pode dizer que está com uma margem [de lucro] muito baixa e por isso não pode gastar mais. Isso é descumprir a lei”, aponta.
Flávio Bragante aponta dois principais problemas no mercado de tratamento de resíduos no Brasil. Um deles é a concorrência inadequada – empresas que não têm a documentação e nem licenças necessárias e que não dão a destinação ideal aos efluentes. O outro é a demora para conseguir o licenciamento. “Para fazer o licenciamento de uma empresa como a nossa, demoramos cerca de três anos, com tudo montado e investido. Isso acaba desmotivando um pouco o empresário nesse setor”, opina.
Uma das maneiras de tentar combater os dois problemas seria usar a própria Política Nacional de Resíduos Sólidos, principalmente no que diz respeito a incentivos fiscais, segundo os dois especialistas. “Na lei, temos um instrumento no qual é possível dar incentivos fiscais às empresas que destinarem os resíduos de forma correta. Esse instrumento poderia entrar em vigor e, a partir desse momento, quando destinar os resíduos para uma empresa licenciada e credenciada, o gerador teria uma isenção fiscal. Dessa forma, incentiva o gerador e tira do mercado várias empresas que atuam de forma incorreta”, afirma Bragante.
Veja matéria no Estadão: