Ex-funcionários de indústria nuclear de SP pedem indenização na Justiça por problemas de saúde | São Paulo | G1 Destaque
Ex-funcionários da Nuclemon, uma indústria nuclear que funcionava na Zona Sul de São Paulo, estão pedindo na Justiça uma indenização por problemas de saúde. A empresa já fechou há mais de 20 anos, mas eles alegam que ficaram doentes porque foram expostos à radiação.
Na terça-feira (5) aconteceu a primeira audiência do caso, e o Ministério Público decidiu entrar como parte do processo para também cobrar indenização da empresa.
A empresa era estatal e começou a operar nos anos de 1940, no Brooklin, Zona Sul da capital paulista. Entre outras atividades, processava um tipo de areia para a retirada de tório e urânio - dois elementos químicos radioativos. Só que como a Nuclemon surgiu antes mesmo da legislação que regula esse tipo de trabalho, acredita-se que ex-funcionários tenham sido expostos à radiação.
Por mais de 20 anos, Venâncio Alves foi um dos funcionários da Nuclemon. Em entrevista ao SP1, ele disse que não era orientado sobre o tipo de material que manuseava na empresa. "A gente demorou para perceber porque a gente não sabia", afirmou. "Depois eles começaram a explicar que tal setor era radioativo, tinha um pouquinho de radiação, mas não fazia mal nenhum, que não era para ter medo."
De acordo com Venâncio, não havia equipamento de segurança. Eles usavam um macacão como uniforme. A situação começou a mudar com o acidente com o Césio 137, em Goiânia, em 1987. As notícias sobre os efeitos da radiação se espalharam e os funcionários ligaram o alerta.
"Depois que eles começaram a medir com dosímetro e tal e a gente viu que tinha algo errado. Tinha um representante que passava medindo a radiação e aí nós começamos a perceber, mas depois de muitos anos", diz o ex-funcionário Eliseu Faustino Alves.
"Eu me sinto enganado. a gente foi enganado por uma monte de gente. pessoal que sabia do que se tratava aquilo ali", diz Venâncio.
A Indústria Nuclear do Brasil (INB), responsável pela Nuclemon, disse que a empresa oferecia proteção aos operários mas que, naquela época, muitas das tecnologias ainda estavam sendo desenvolvidas. A empresa falou que, após o fechamento, a Nuclemon encaminhou os trabalhadores para monitoramento em institutos especializados, e que vai prestar os esclarecimentos necessários à Justiça.
Funcionários tiveram câncer
Em 1991, Ministério Público, médicos e especialistas fizeram uma vistoria na empresa e constataram inúmeras irregularidades. Parte dos funcionários foi submetida a exames detalhados, e a doutora Vera foi quem cuidou disso na época.
“Na época nós fizemos uma avaliação completa de todos os trabalhadores que vieram até aqui que foram 160 trabalhadores e foi feito hemograma, exames físicos completos, vários deles tinham leucopenia e também tivemos acessos a exames feitos na época de medidas de urânio e tório na urina e nas fezes e medidas de corpo inteiro de radioatividade e vários trabalhadores tinham exames alterados inclusive trabalhadores do setor administrativo”, afirma a pneumologista e médica do trabalho Maria Vera Cruz de Oliveira.
De acordo com a médica. a radiação não fica restrita ao ambiente.
“Ela ultrapassa, claro, as paredes. Muitas vezes ela está ali no ambiente. ela sai pelas janelas, então a população do entorno tinha exposição também e essa provavelmente é uma das razões para o fechamento da empresa no prazo de 3 anos”, afirma a médica.
Resíduo radioativo
O processo de fechamento foi delicado e monitorado de perto pelas autoridades. Em 1993, o prédio onde funcionava a Nuclemon foi demolido e, após várias análises, o local foi liberado para uso. Atualmente há um condomínio residencial no endereço. Já os resíduos da atividade da empresa foram transferidos para um terreno em Interlagos.
A região bastante movimentada com condomínios, indústrias e empresas. Dentro de um galpão está o material que veio da Nuclemon. É um resíduo radioativo.
A área é cercada e há alertas sobre o risco de radiação. Mas, segundo especialistas, se o material estiver armazenado da maneira correta, não oferece perigo a quem vive lá.
"Moro há bastante tempo aqui e me preocupa porque não sei se estão fazendo algum tratamento, se tem alguma coisa acontecendo", afirma o morador Vagner Cardoso.
O físico especialista na gestão de rejeitos radioativos Roberto Vicente garante que não há motivo pra preocupação.
“Não há qualquer risco para quem viva nas imediações, vizinho àquele terreno, não há risco por causa da radiação. Os materiais estão contidos, embaladas, e os níveis de radiação fora do deposito estão tão baixos quanto os que a gente observa no ambiente por causa da radioatividade natural”, afirma.
Além dos resíduos, a principal herança da Nuclemon está na vida dos ex-funcionários. Alguns ainda fazem acompanhamento médico, com a mesma Doutora Vera.
“Agora no momento nós temos em torno de 100 trabalhadores que continuam em acompanhamento ativo, que ainda vem nas consultas, mas em particular nos temos um grupo de 65 trabalhadores que periodicamente estão aqui e o que chama a atenção é que um terço deles desenvolveu câncer. câncer de várias localizações. Felizmente muitos deles já se trataram, mas infelizmente alguns vieram a morrer por causa desses tumores que eles apresentaram”, diz ela.
Os ex-funcionários entraram na Justiça contra a empresa INB, responsável pela Nuclemon. Eles pedem indenização por danos morais e assistência médica vitalícia.
“Espero que um dia a gente consiga alguma coisa, o que muitos coitados não esperavam e já foi tudo. e nós estamos na luta para ver o que vai acontecer conosco”, diz o ex-funcionário José Pereira Gomes.